Açores

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A PraçaJun 29, '20

Reza uma lenda antiga que as nove ilhas do arquipélago dos Açores têm origem nos nove picos de Atlântida, a mítica cidade-império, de paisagens estonteantes e campos férteis, que teria, segundo Platão, sido engolida por um tsunami lançado pela fúria dos Deuses. Ora, se todas as lendas têm um fundo de verdade, o desta reside nas paisagens estonteantes e nos campos férteis que são, também eles, características das ilhas açorianas, de comprovada origem vulcânica e não mitológica.

São, adaptando uma célebre campanha publicitária, todas diferentes, todas especiais. A geografia e o clima dos Açores favorecem o crescimento de pastagens abundantes e de enorme qualidade, daí que o gado bovino tenha sido introduzido desde cedo em várias ilhas e seja, ainda hoje, o ponto de partida para alguns dos seus produtos estandarte. 

Se a tenríssima Carne dos Açores (gado bovino), produto IGP, tem fama em todo o país, os queijos, também de vaca, não lhe ficam atrás. Sobretudo o de São Jorge DOP, cuja tradição remonta aos primeiros tempos de ocupação da respetiva ilha: já no século XV o gado dava tanto leite que o queijo era forma de aproveitar esse excesso. Os flamengos que povoaram a ilha trouxeram consigo a sabedoria na arte queijeira. O resto é história. E queijo!

O do Pico DOP também não deve ser esquecido: geralmente menos curado (mínimo de 20 dias) que o de São Jorge (mínimo de 90 dias) é também mais pastoso. O aroma é forte, porém menos picante que o outro. Na dúvida, provem-se ambos, de preferência acompanhados pelo vinho do Pico, produzido em solos vulcânicos, num cenário único que é considerado, desde 2004, Património da Humanidade pela UNESCO. 

Já na maior ilha do arquipélago, São Miguel, são famosas — e visitáveis — as plantações de Chá Gorreana, na Ribeira Grande, bem como as estufas de vidro do famoso Ananás dos Açores, também ele um produto DOP. A fruta deve ser, aliás, consumida sem pudor na chamada ilha verde. O maracujá, por exemplo, também é um produto DOP. E único, usado tanto em famosos refrigerantes de produção local como nalgumas criações doceiras mais arrojadas. Por falar nelas, o delicado Mel DOP açoriano jamais deve ser esquecido, com destaque para o tradicional Mel de Incenso, delicado e doce, dono de um sabor único que remete para o nome.

E, claro, não podemos falar de ilhas sem falar de produtos marítimos. No campeonato marisqueiro são famosíssimos os cavacos, as cracas e as lapas locais. As bojudas amêijoas de São Jorge, menos conhecidas, devem igualmente ser apreciadas. Já no que ao peixe diz respeito, os Açores são conhecidos pelas abróteas — e que belos filetes dão —, pelos boca-negra, conhecidos no Continente por cantarilhos, pelos encharéus, pelos espadartes e pelas várias espécies de atum, como o galha-a-ré, o patudo ou o rabilho, o mais apetecível de todos.

A gastronomia das ilhas está intimamente ligada à qualidade dos seus produtos. O peixe e marisco leva, geralmente, tratamento de grelha. Sem grandes complicações, o essencial está no produto. Já a carne é consumida de várias formas. Se em São Miguel é incontornável o Cozido das Furnas, na Terceira são famosas as substanciais Sopas do Espírito Santo, com diversas carnes, e a Alcatra à Terceirense, inspirada na típica Chanfana continental e que é um exemplo da influência dos primeiros habitantes da ilha, que vinham do Centro e Norte do país — o que também explica a ausência de um sotaque pronunciado dos terceirenses. A massa sovada, um pão doce que leveda duas vezes (daí o nome bolo lêvedo, porque também é conhecido) é o acompanhamento preferencial. 

Os açorianos são igualmente profícuos em sobremesas. Sobretudo em queijadas. As Dona Amélia, na Terceira, ficaram para sempre como recordação da visita régia de 1901. São ricas em especiarias e, por isso, bastante diferentes das igualmente célebres queijadas de Vila Franca do Campo ou das covilhetes de leite, as queijadas da Graciosa.

Tiago Pais - Jornalista